Modernismo


O terceiro período da produção literária no Rio Grande do Norte, o MODERNISMO, vai da publicação de Livro de Poemas (1927), de Jorge Fernandes, a meados da década de 1960. Com o advento da Segunda Guerra Mundial, a pacata cidade de Natal se tranforma no “Trampolim da Vitória” com a chegada de tropas americanas. Foram muitas transformações em trinta anos de literatura que repercutiram na ênfase dada ao regionalismo na prosa potiguar, nos versos livres e brancos da mossoroense Helen Ingersoll escritos entre 1947 a 1950 (mas só reconhecidos em 2021), no neoparnasianismo da Geração de 1945 que seduziu Zila Mamede, no misticismo espiritualizado de Myriam Coeli com sua busca pela musicalidade e refinamento vocabular.

Ante o ronco dos motores e o crescimento da cidade, mesmo entre a efervescente variedade de tendências na escrita, na poesia, o soneto ainda continuava sendo a forma privilegiada de expressão, a ponto de escritores erguerem barricadas contra os versos modernistas da primeira fase. A obra de Jorge Fernandes só foi enxergada em sua singularidade e valor estético anos depois, quando o pesquisador Humberto Hermenegildo apresentou estudos a respeito. Já a pioneira modernista entre as mulheres, Helen Ingersoll, foi mantida no mais completo silêncio, quebrado em 2021 com a publicação de Poesias e pelos estudos do Grupo de Pesquisa Nupellm, em 2022, por ocasião do centenário da Semana de Arte Moderna.

Helen Ingersoll nasceu em Mossoró (RN), em 13 de março de 1930. Faleceu em 10 de março de 2010, no Rio de Janeiro. A estreia literária de Ingersoll aconteceu em agosto de 1947, com o poema Revelação, no jornal A República onde se apresentou ao público potiguar com marcas da Primeira Fase do Modernismo utilizando versos livres, sem rimas e métricas, razão pela qual não obteve reconhecimento da crítica.

Suas poesias chamaram atenção pelo tom erótico e provocador, o que gerou certo estranhamento na sociedade conservadora da época. Também abordou temas como o patriarcado e a emancipação da mulher, trazendo junto a imagem da “mulher moderna” (CASTRO, 2019, pg. 92).

Anteriormente a essa modernista, as poetas potiguares escreviam com o intuito de serem reconhecidas dentro do cânone literário dominado pelos homens, inspirando-se em modelos europeus. Sua importância é reconhecida por ser a pioneira em promove uma ruptura ao trazer uma nova proposta de poesia.

A poetisa foi considerada pioneira do Modernismo em Mossoró, mesmo tendo sido silenciada na época em que escrevia, e a primeira mulher a escrever poesia erótica no estado do RN. O seu último poema foi Quando se der a morte do olhar verde, publicado nos jornais em 1949, quando decidiu seguir sua paixão por um rapaz. 

PRODUÇÃO DE HELEN INGERSOLL

INGERSOLL, Helen. Poesia. Natal/RN: Amigos da Pinacoteca, 2021. (Publicação póstuma)

PALAVRAS DE HELEN INGERSOLL

 Revelação

Tenho a íntima convicção
De que meu destino será belo,
Belo como a noite no seu silêncio.
– Suprema revelação! 
Ó quietas estrelas
no espaço sem princípio,
Eu vos seguirei, cantando
O meu canto de glória e de amor. 

E eu serei forte e feliz! 
E a montanha do tempo! 
Ou o pássaro que grita mansamente! 
Palpita em mim mesmo. 
O coração do destino. 
– Destino claro e pleno. 

(In: Poesias, 2021)

PRODUÇÕES SOBRE HELEN INGERSOLL

ALVES, Alexandre. A poesia de Helen Ingersoll: encontrado o elo perdido entre Palmyra Wanderley e Zila Mamede. Típico Local. (2021) Disponível em: <https://tipicolocal.com.br/noticia/a-poesia-de-helen-ingersoll-encontrado-o-elo-perdido-entre-palmyra-wanderley-e-zila-mamede.> Acesso em: 08 ago. 2024.

GURGEL, Tarcísio. Helen Mulher e Mito. In: GALVÃO, Cláudio. (org) Poesia. Natal/RN: Amigos da Pinacoteca, 2021.

PAIVA, Kalina Alessandra Rodrigues de Paiva. Enquanto houver Soll, a poesia modernista pede passagem. Todas as Musas, São Paulo, Ano 13, Número 02 (Jan – Jun 2022). Seção: Dossiê: 100 Anos da Semana de Arte Moderna, Antecedentes e Desdobramentos. Disponível em: <https://www.todasasmusas.com.br/13_02.html>. Acesso em: 08 ago. 2024.

Myriam Coely

Zila Mamede é Zila da Costa Mamede, nascida em Nova Palmeira, no interior da Paraíba, em 15 de setembro de 1928. Veio para Natal, no Rio Grande do Norte, ainda criança, deslumbrada com a possibilidade de conhecer o mar, cuja simbologia inspirou parte da sua produção.

Publicou seu primeiro livro de poesias em 1953, Rosa de Pedra, que apresenta o mundo e o eu poético em estado de desintegração, trazendo histórias que retratam o caos e a divisão do mundo moderno, de forma a misturar elementos de composição que relembram a tradição e evocam a modernidade. Retratou temas intimistas que podem ser vistos em Mar Morto, poema em que a escritora se declarou poeta. “É o meu batistério poético, minha certidão de poeta”, disse no Programa Memória Viva, da TV Universitária do UFRN.

Seu segundo livro, Salinas, foi publicado no Rio de Janeiro, em 1958, com um projeto literário diferente das publicações anteriores. Afastando-se do caótico, essa uma obra traz uma sutileza no uso da linguagem.

Em 1959, Zila Mamede publicou O Arado, livro que apresenta cenas do sertão e a vida no campo, extraídas da experiência pessoal da autora. Embora apresente uma visão idílica da realidade rural, há uma crítica social implícita em seus versos. As imagens do cotidiano do campo são carregadas de significados profundos e a figura feminina surge integrada à paisagem e às tradições do sertão, tornando-se um grito de resistência. Depois, a poetisa decidiu se dedicar à carreira profissional de bibliotecária, onde começou um trabalho sobre Câmara Cascudo, que teve duração de cinco anos até ser concluído.

Vítima de afogamento na Praia do Meio, faleceu em 16 de dezembro de 1985 na cidade de Natal. A biblioteca da UFRN carrega o seu nome, por ter dedicado anos como bibliotecária e por ser expoente da poesia modernista da terceira geração.

PRODUÇÕES DE ZILA MAMEDE

MAMEDE, Zila. A Herança. (1982) Col. Zila, Toda Poesia. Vol. 6. Natal/RN: EDUFRN, 2023.
MAMEDE, Zila. Corpo a Corpo. (1978) Col. Zila, Toda Poesia. Vol. 5. Natal/RN: EDUFRN, 2023.
MAMEDE, Zila. Exercício da Palavra. (1975) Col. Zila, Toda Poesia. Vol. 4. Natal/RN: EDUFRN, 2023.
MAMEDE, Zila. Luís da Câmara Cascudo – 50 Anos de Vida Intelectual (1969). Natal/RN: Fundação José Augusto, 1970.
MAMEDE, Zila. Navegos: poesias reunidas. (1953-1978) Natal/RN: EDUFRN, 2003.
MAMEDE, Zila. O Arado. (1959) Col. Zila, Toda Poesia. Vol. 3. Natal/RN: EDUFRN, 2023.
MAMEDE, Zila. Rosa de Pedra. (1953) Col. Zila, Toda Poesia. Vol. 1. Natal/RN: EDUFRN, 2023.
MAMEDE, Zila. Salinas. (1958) Col. Zila, Toda Poesia. Vol. 2. Natal/RN: EDUFRN, 2023.

PALAVRAS DE ZILA MAMEDE

Partida

Quero abraçar, na fuga, o pensamento 
da brisa, das areias, dos sargaços; 
quero partir levando nos meus braços 
a paisagem que bebo no momento. 

Quero que os céus me levem; meu intento 
é ganhar novas rotas; mas os traços 
do virgem mar molhando-me de abraços 
serão brancas tristezas, meu tormento. 

Legando-te meus mares e rochedos, 
serei tranquila. Rumarei sem medos 
de arrancar dessas praias meu carinho. 

Amando-as me verás nas puras vagas. 
Eu te verei nos ventos de outras plagas: 
juntos – o mar em nós será caminho.

(In: Navegos, 1978)

PRODUÇÕES SOBRE ZILA MAMEDE

ALMEIDA, Ângela; CASTRO, Marize; MARINHO, Vânia. Zila Mamede: se esse humano dos meus gestos. Natal: EDUFRN, 2003.
ALVES, Alexandre. Silêncio, mar: a poesia de Zila Mamede nos anos 50. Natal: Sebo Vermelho, 2006.
ALMEIDA, Hellen. Zila Mamede: arando caminhos. Portal da UFRN. Publicado em 19 setembro de 2019. Disponível em: <https://ufrn.br/imprensa/reportagens-e-saberes/28959/zila-mamede-arando-caminhos> Acesso em: 21 dez. 2024.
CASTRO, Marize. Zila Mamede: poética e trabalho – imaginação e desejo. In: Bibliocanto, Ano I, n º 01, outubro de 1994, Natal: UFRN.
DRUMMOND, Carlos. Carta, Rio de Janeiro, 1967. In: SANTOS, Maria das Graças Aquino (Org.). Cartas de Drummond a Zila Mamede. Natal: Sebo Vermelho, 2000.
PINHEIRO, Carlos André. Essa marca de suor numa canção: o processo de redução estrutural na poesia de Zila Mamede. 2012. 171 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada; Literatura Comparada) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012.  
PINHEIRO, André. O imaginário feminino na voz da poetisa potiguar Zila Mamede. Interdisciplinar – Revista de Estudos em Língua e Literatura, São Cristóvão-SE, p. 175–184, 2015. Disponível em: <https://periodicos.ufs.br/interdisciplinar/article/view/4086.> Acesso em: 21 dez. 2024.
PINHEIRO, André. Vida cotidiana na poesia de Zila Mamede. Revista Leitura[S. l.], v. 2, n. 48, p. 261–275, 2013. DOI: 10.28998/2317-9945.201148.261-275. Disponível em: <https://www.seer.ufal.br/index.php/revistaleitura/article/view/935.> Acesso em: 21 dez. 2024.
PINTO, Kamyla Álvares; CASTRO, Marize; CONFESSOR, Francisco Wildson. Cartas para Zila Mamede. Natal/RN: EDUFRN, 2016.
SOARES, Lenin Campos. História da Arte Potiguar: Literatura Moderna. In: Blogue Natal das Antigas. Publicado em 30 de dez, 2020. Disponível em: <https://www.nataldasantigas.com.br/blog/literatura-moderna-no-rio-grande-do-norte.> Acesso em: 21 dez. 2024

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