Maestro Deusdete

O Maestro Deusdete nasceu em Santa Cruz. Filho de um sapateiro, vindo de uma família humilde, não havia toca discos ou aparelhos de rádio em sua casa. Assim, o jovem Deusdete passava parte do tempo da sua infância entre o campo de futebol e a oficina do pai. Apenas pessoas mais abastadas tinham rádio em Santa Cruz. E o contato com a música, para o futuro maestro, dependeu de dois fatos fundamentais. A a existência das difusoras nas cidades sertanejas e a presença do maestro Oscar Dantas que veio morar em Santa Cruz e, com sua sensibilidade, identificou o talento do menino em meio a vários outros garotos matriculados em um curso de música custeado pela Prefeitura Municipal.

(Contato com a Música)

As difusoras eram rádios artesanais, que retransmitiam músicas e notícias nas praças públicas das cidades do interior através de autofalantes presos em postes. Foi através dessas difusoras que o Maestro começou a ouvir Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e aprendeu a gostar do frevo pernambucano e das marchinhas de carnaval.

Foi através da influência do maestro Oscar Dantas (membro da ilustre família de músicos sertanejos, cujo maior representante foi o Maestro Felinto Lúcio Dantas) que o jovem Deusdete começou seus primeiros passos na arte de tocar um instrumento e ler partituras. Começou tocando requinta, uma espécie de clarinete menor. Depois passou para o clarinete e por fim chegou ao Saxofone. E foi justamente com o saxofone, seu instrumento de formação e de preferência, que começou a tocar em charangas que seguiram as grandes caminhadas políticas dos anos de 1960, nas históricas campanhas de Aluízio Alves, Dinarte Mariz e do monsenhor Walfredo Gurgel.

Especializou-se em marchas de carnaval, sambas, frevo, mas também tocava música sacra, especialmente do maestro Felinto Lúcio, dobrados e valsas. Chegou a tocar por algum tempo em bandas marciais.

Foi músico ativo e participante dos tradicionais bailes de carnaval do Trairi Club e atravessou as fronteiras da região para tocar em Natal em lugares como Camana, Jiqui Country Club e nos blocos de elite que brincavam o carnaval no Palácio dos Esportes.

Maestro Deusdete é um legitimo representante da tradição de bandas filarmônicas do Rio Grande do Norte. Intuitivo, aprendeu muito sozinho, lendo livros sobre música e estudando partituras. Sem uma formação musical acadêmica, se tornou maestro da Banda Filarmônica de Santa Cruz em 1976 quando o então prefeito, José Rocha, o convidou-o para reconstruir a banda municipal.

(A Banda de Santa Cruz)

No começo, Maestro Deusdete pensou que fosse apenas tocar em uma charanga. Logo, logo, percebeu que sua responsabilidade seria maior. Enquanto esperava a chegada de um maestro (que seria ele mesmo) para a banda de Santa Cruz, comprometeu-se com o prefeito José Rocha a formar uma geração de músicos na cidade para compor a filarmônica municipal.

Teve que se inventar como professor de música, como mais tarde se inventaria Maestro, através de seu próprio talento e de sua própria disciplina. Passou treze anos comandando a banda municipal e nesse tempo formou toda uma geração de músicos do Trairi.

Aprendeu sozinho a arte de ensinar, musicando letras da esposa e registrando seu trabalho autoral em composições artesanais, assim como desenvolveu composições próprias: dobrados, choros, boleros. Em seu depoimento deixou transparecer que um dos pontos mais melancólicos de sua atividade artística foi o momento em que a Prefeitura Municipal de Santa Cruz, no final dos anos de 1980, desativou a banda.

A sede da banda fechada e os instrumentos da filarmônica sendo levados embora cortaram o coração do velho maestro. Mas ele continuou a trabalhar com música. Após a dissolução da banda municipal (uma das tragédias que a ausência de continuidade das políticas públicas culturais impôs ao maestro, assim como a muitos outros artistas potiguares) Maestro Deusdete passou a trabalhar com o comércio de vinis e CDs.

(Vinil ou CD? Modernidade ou Tradição)

Vítima da concorrência da pirataria, maestro Deusdete acabou fechando sua loja e chegou a trabalhar junto ao Projeto Cidadão do Amanhã, fazendo da música uma ferramenta pedagógica de transformação social.

Seguindo o caminho que ele mesmo trilhou e repetindo aquilo que o Maestro Oscar Dantas fez com ele, trabalha hoje com crianças na zona rural de Tangará. Em um contínuo que remonta a longos e longos anos de tradição sertaneja, Maestro Deusdete hoje mantém viva no interior do Rio Grande do Norte a tradição de bandas filarmônicas, seguindo, estoicamente, a disciplina de professor de jovens músicos na zona rural.

Por iniciativa do agro empresário Carlos Lindemberg, maestro Deusdete formou uma banda filarmônica com crianças, filhas dos funcionários da fazenda Serrote Branco.

Para o Maestro a cooperação e a disciplina que se exigem na formação e na execução de peças musicais em bandas como a Banda Fazenda Serrote Branco, de Tangará, contribuem profundamente para a formação do caráter dos jovens, dando-lhes senso de responsabilidade, força de vontade e capacidade de atuar em grupo.

Intuitivamente Maestro Deusdete compreende a função de uma educação estética da humanidade e a empreende com seus jovens alunos nos sertões do Trairi. Sendo ele mesmo produto dessa prática pedagógica, continua mantendo viva a chama dos velhos maestros sertanejos, a despeito da falta de apoio do poder público ou dos inevitáveis problemas que surgem para aqueles que trabalham com arte em uma zona expulsiva como é o sertão potiguar.

(Banda Fazenda Serrote Branco)

Maestro Deusdete é uma das figuras referenciais da arte popular potiguar e da sensibilidade musical do Trairi. Grande executor de dobrados e das peças sacras do maestro Felinto Lúcio Dantas, Maestro Deusdete foi o primeiro a tocar o clássico dobrado Onze de Dezembro, encomendado pelo prefeito de Santa Cruz, José Rocha, ao maestro Felinto em homenagem a data de aniversário da cidade.

(Dobrado 11 de Dezembro)

Uma figura que merece nosso reconhecimento e o respeito das jovens gerações de músicos potiguares.