Marcos Cavalcanti

Na região do Trairi, em nossa garimpagem em busca do artista, assim como percebemos que nem só da tradição vive a cultura, também constatamos que nem só de cordéis e repentes vive a poesia local.
Nesse semiárido potiguar, também encontramos um Augusto dos Anjos, dissecando a temática da morte; um concretista, manipulando ludicamente a palavra; um Drummond, um Oswald, um Fernando Pessoa, um Mário Quintana, debruçando-se sobre o fazer poético, em processo metalinguístico. E até um Olavo Bilac, esmerilando com maestria a métrica e a rima. Todos esses, especialmente os vinculados ao cânone da poesia moderna, reunidos como tradição literária em um só poeta: Marcos Antônio Bezerra Cavalcanti.
Nascido em Santa Cruz, em 1973, Marcos Cavalcanti, como é conhecido, é, antes de tudo, filho do Paraíso – não os Campos Elísios dos gregos, nem o Céu dos cristãos ou muçulmanos – mas o populoso bairro da periferia de sua cidade, fundado também por seu avô Pedro.
Descobriu o caminho da poesia quando era estudante, no colégio Marista, em Natal. No curso de Letras, aprendeu a olhar para a literatura com o olhar apurado do leitor criterioso, que transita de Montaigne às vanguardas concretistas sem abrir mão do vigor literário que vem de sua raiz.


(O POETA E SEU CANTO DE MURO)

Ou melhor, do seu rio, um Trairi de Poesia que irriga sua imaginação.
Uma imaginação cercada pelos questionamentos metafísicos que lhe apontaram a presença da morte como companheira de jornada poética e o povo da sua região como força motivadora para continuar sua militância na cultura potiguar.
Como o próprio Marcos afirma, o seu bairro, o Paraíso, é, realmente, a síntese de sua postura frente ao mundo: lugar de vida. Visão que, na sua produção poética, é realmente paradoxal à ideia de morte. Questionado se a poesia é uma forma de vida após a morte, responde Marcos Cavalcanti: “Enquanto a humanidade existir, os artistas estarão eternizados na memória coletiva de um povo. Se houver algo após a morte, eu não estou preocupado com isso.” Sob sua ótica, ao se aniquilarem corpo e consciência, resta aos outros vivos, os vermes, fazerem o seu trabalho, a última assepsia do corpo, que ao pó retorna, sem nenhum quê para o além.


(VIAGEM PELA OFICINA DO POETA)

Presença marcante no cenário cultural do Trairi, o projeto literário de Marcos envolve não só o seu fazer poético, mas a promoção dos artistas de sua terra, o que se concretizou em 4 antologias, reunindo produções de escritores santa-cruzenses e da região do Trairi, assim como na criação da Associação Santa-cruzense de Poetas e Escritores – ASPE, grupo cuja finalidade é discutir literatura, promovê-la, divulgá-la. Publicou vários livros, atuou junto a casas de culturas, grupos de teatro, publicou jornais, apresenta programas de rádio. Habilidoso na arte de recitar, travestiu-se de morte para divulgar seu primeiro livro, “Viagens de Além Túmulo”, e partiu para bienais literárias, inaugurações de teatros e escolas Estado afora.


(UM TRAIRI DE POESIA)

É das influências múltiplas do seu entorno, as paisagens humana, urbana, rural de Santa Cruz e da imaginária região do Trairi, da tradição literária modernista, da filosofia niilista, sem perder o fio que o conecta ao resto do mundo, que Marcos Cavalcanti constrói seu projeto literário. Mergulhou fundo nas margens do fazer literário para encontrar o fio que une Oswald de Andrade e sua antropofagia a Ariano Suassuna e seu armorialismo; em uma
busca constante da raiz que alimenta a poesia de um povo e da antena do poeta, que capta as influências do mundo, com suas guerras, suas injustiças e seus massacres, seus alumbramentos. Assim é a poesia de Marcos Cavalcanti. Metaforiza a existência, mas não a alegoriza. Seus temas são palpáveis, tangíveis, mesmo quando se põem a certa abstração filosófica. E, aí, certamente, os ouvidos que auscultaram os repentistas e cordelistas em seus cantares e recitais, podem ter sido cruciais para que se apropriasse dessa maneira própria e simples de dizer as coisas com profundidade e beleza.
Visitamos em 2011, seu canto de muro, no bairro 3 a 1, na cidade de Santa Cruz. Ali, na esquina em que mora, mandou gravar a expressão “Paz e Poesia” para saudar de esperança um futuro melhor para o povo de sua terra.


(POESIA E PAZ)

Marcos nos abriu sua biblioteca, suas memórias, seu coração e sua poesia e nos brindou com uma conversa animada, cercada de reflexões e releituras no fluxo deste Trairi de poesias que é sua vida. Um rio que corre sempre em direção ao futuro com a intensidade de um presente que se vive com a urgência da finitude. Um rio em cujas águas o poeta se acostumou a mergulhar, para encontrar seus poemas. É um escritor que se inscreve na mesma linha dos grandes que fizeram de sua escrita uma forma de militância contra o lugar-comum e as veleidades cotidianas, em função de construir um universo viável em que caiba toda a humanidade.
Como sintetizou nosso poeta, “a gente escreve para dar sentido à vida.”